Entrevista concedida pela Profa. Ana Cristina Canettieri para Revista EDUCAÇÃO, em 2011.
1. Por que tantas IES adotam o Enem como mecanismo de ingresso? Que tipo de ganho elas têm ao aceitar o exame?
De acordo com legislação educacional, todos os processos seletivos devem incluir uma prova de redação em língua portuguesa. Como da prova do Enem consta uma redação, as IES, ao utilizarem o exame como mecanismo de ingresso, não só cumprem um dispositivo legal como reduzem custos e esforços. Outra vantagem em adotar o Enem é relativa ao Prouni, que concede bolsas para alunos de baixa renda em troca de abatimento de impostos devidos pelas instituições particulares. Assim, a nota do exame é utilizada como critério para a concessão do benefício.
2. O Enem, tal como ele era até 2008, era visto como um bom mecanismo de seleção de alunos para o sistema privado? Por quê?
O Enem é um bom mecanismo de seleção de alunos desde sua primeira edição, há mais de 10 anos, pois foi construído para avaliar habilidades dos concluintes do ensino médio, como leitura e interpretação. É um exame de raciocínio, rompendo com a velha fórmula de memorização de conteúdos curriculares específicos. A partir de 2008, o número de questões da prova foi ampliado. Assim, tanto no passado como hoje, o resultado do Enem constitui-se num importante instrumento de avaliação para as instituições conduzirem ações de gestão visando à melhoria da qualidade na sala de aula. Outra razão que justifica amplamente seu uso é a possibilidade de selecionar, num universo muito mais amplo, os alunos com maior aptidão para o ensino superior a partir das notas obtidas no exame.
3. A mudança do exame, que passou a ser o principal mecanismo de ingresso nas universidades federais, acarreta algum impacto para o sistema privado?
Não, pois as instituições têm públicos distintos. Nas universidades federais, como há mais demanda do que oferta de vagas, a nota de corte do Enem é um importante mecanismo de seleção. Já no caso da maioria das instituições particulares, o fato de o aluno não ter feito o Enem não significa que perdeu a oportunidade de ingresso em um curso de graduação, a não ser pela porta do Prouni. A partir da LDB (1996), as instituições particulares têm autonomia para formatar seus próprios processos seletivos. A experiência acumulada na realização desse tipo de seleção permitiu às IES desenvolver diferentes formatos de seleção, flexibilizando formas de ingresso e até mesmo realizando diversos processos seletivos no mesmo período letivo, como forma de otimizar vagas. É claro que a mudança de data trará um imenso transtorno para todas as instituições envolvidas com o exame, particularmente as universidades e faculdades públicas. Será menos prejudicial, porém, para as IES privadas, que por contarem com uma gestão mais flexível, terão mais facilidade de se ajustar às novas datas (5 e 6 de dezembro).
4. A descoberta de fraude no Enem pode, de alguma forma, interferir no processo seletivo das IES privadas? Como?
Sim, caso a sistemática da prova do Enem não gere credibilidade para ser aceita como mecanismo de ingresso pelas instituições particulares.
5. Você sabe de alguma IES que vá deixar de usar o Enem por causa do problema que ocorreu?
Não.
6. Você acha que o Enem perde credibilidade com o ocorrido? Que outro tipo de impacto a fraude pode causar?
Claro que sim, pelo menos neste próximo Enem, em que notícias sobre a fraude estão muito expostas à sociedade. O tempo entre um exame e outro é extremamente exíguo para apagar da cabeça das pessoas o mico que foi este acontecimento. Oxalá não respingue negativamente no ENADE! É certo que o Ministério da Educação revestirá de segurança máxima todas as complexas etapas que envolvem um exame dessa relevância e magnitude, e com isso consiga reverter tamanho estrago causado na vida acadêmica de milhões de jovens e de milhares de instituições. Se for assim, recuperará a credibilidade de um exame cujo resultado é um instrumento de gestão extremamente importante para a melhoria da qualidade do ensino.